Choque, Competição e Reconfiguração: a nova face
da geopolítica mundial
Nexus Geopolítico: 08/11/2025
O início de novembro revela-se altamente dinâmico no plano geopolítico, com uma confluência de choques econômicos, tensões regionais e transformações estruturais que já redesenham o tabuleiro global. A semana começou com sinais de fraqueza nos mercados e prossegue com deslocamentos estratégicos em cadeias de valor, infraestrutura de segurança e governança internacional.
Na esfera financeira, os mercados globais enfrentaram uma pressão considerável nesta semana, não apenas pelos fundamentos econômicos, mas por uma combinação de fatores geopolíticos e de sentimento que estão alterando o jogo. As bolsas da Ásia e da Europa fecharam com recuos expressivos, sobretudo em empresas de tecnologia e ativos de risco, enquanto investidores se mostravam menos inclinados a apostar na narrativa de crescimento automático pós-pandemia. Na verdade, o principal motor desse comportamento não é apenas uma desaceleração econômica tradicional, mas a introspecção crescente dos participantes do mercado frente à volatilidade política, ao risco de choque externo e à incerteza sobre o próximo ciclo de política monetária. Por exemplo, o relatório da Reuters de 6 novembro destaca que os rendimentos dos Estados Unidos, o dólar e os mercados de ações foram impactados por dúvidas sobre se a era dos cortes de taxa chegou ao fim.
Um indicador que ilustra fortemente essa mudança de paradigma é a razão cobre-ouro. Tradicionalmente, o cobre serve como bússola para crescimento industrial, usados em infraestrutura, construção, manufatura, enquanto o ouro representa refúgio em tempos de risco. A notícia de 6 novembro mostra que essa relação atingiu mínimas de várias décadas, ainda que a economia global não esteja em colapso completo. Isso sugere que a narrativa dominante, “crescimento global elevado leva a commodities e risco, e daí desaceleração leva a refúgios”, está sendo substituída por outra: de fragilidade, fragmentação e reestruturação. O ouro sobe não apenas quando a recessão é esperada, mas porque o sistema global está percebendo que mesmo o crescimento “normal” carrega riscos estratégicos escondidos, sanções, cadeias de suprimento em tensão, tecnologia sob disputa. Ainda que o cobre continue a ter demanda estrutural (pela eletrificação, veículos elétricos, infraestruturas verdes), o fato de o cobre-ouro estar em nível tão baixo sinaliza que o mercado está precificando mais do que uma simples desaceleração: está precificando um mundo onde crescer é mais difícil e onde segmentos inteiros podem ficar de fora pela geopolítica, não apenas pela economia.
Para os investidores, isso significa que os “ativos de risco” (ações, commodities industriais) já não somente dependem de crescimento livre de interrupções, agora dependem de regimes regulatórios, estabilidade de cadeias logísticas e previsibilidade geopolítica. O impacto disso é que, mesmo em momentos em que os fundamentos econômicos parecem toleráveis, os ativos “seguros” (como ouro) podem ganhar protagonismo, e as “apostes de crescimento” sofrem pelo risco oculto. Para países exportadores de commodities, e para economias emergentes como o Brasil, o alerta é claro: depender de crescimento externo contínuo pode se tornar um risco mais do que uma vantagem. Se o mercado está precificando fragilidade global, então vulnerabilidades de infraestrutura, logística, dependência de exportações e exposição à guerra econômica ganham peso.
Além disso, do ponto de vista da geopolítica, esse movimento sugere que o espaço de manobra das empresas e dos governos está se estreitando. Aumentam os custos de incerteza e o prêmio de “ser considerado seguro”, seja do ponto de vista da cadeia de suprimentos, seja do ponto de vista de estabilidade institucional. Esse prêmio extra pode afetar taxas de investimento, fluxo de capital e decisões políticas. O fato de a razão cobre-ouro ter caído tanto mesmo com alguma recuperação econômica mostra que o mercado relê o mundo sob outro prisma. Não mais “crescimento ou refúgio”, mas “crescimento condicionado” e “refúgio por precaução”. Isso muda a arquitetura das decisões de investimento, das políticas públicas e da própria geopolítica.
Na Ásia-Pacífico, a indústria de semicondutores assume um papel estratégico decisivo. O setor, considerado o motor da economia digital, atravessa um momento de correção que vai além das oscilações típicas do mercado; ele é impulsionado, em grande parte, pela interseção entre tecnologia, política e segurança. A “corrida ao silício” deixou de ser apenas uma questão de competitividade econômica para tornar-se uma questão de soberania tecnológica, de resiliência nas cadeias globais e de segurança nacional, conforme mostram estudos recentes. Países e blocos regionais interpretam essa dinâmica como uma disputa por controle: controle de processos de produção, controle de talento, controle de matérias-primas e controle de logística. Na Ásia-Pacífico, hubs como Taiwan, Coreia do Sul, Japão, Malásia e Singapura tornaram-se peças centrais nessa estrutura de poder.
Ao mesmo tempo, as empresas globais reavaliam suas cadeias produtivas: já não bastam os baixos custos ou a escala; agora são essenciais a proximidade política, a segurança de fornecimento, a capacidade de retaliação ou bloqueio e a previsibilidade do ambiente regulatório. Esse reposicionamento revela uma geopolítica da produção que estava latente e agora se torna explícita.
Para o Brasil, que acompanha essas mudanças pela lente da economia global, o impacto se manifesta de diversas formas. Na exportação de insumos, por exemplo, o país está em uma posição que pode ser aproveitada se souber ajustar seu papel nos circuitos de produção de semicondutores, seja fornecendo materiais críticos, seja oferecendo serviços de montagem ou teste.
Por outro lado, há a mudança de parceiros estratégicos: novas cadeias podem surgir fora das rotas tradicionais, criando riscos para quem está condicionado ao modelo anterior. Se a Ásia-Pacífico consolida um novo sistema de blocos tecnológicos, economias emergentes como o Brasil precisarão definir onde se enxergam — como fornecedor periférico, como hub regional ou como ator de valor agregado. Além disso, a correção no setor de semicondutores revela que as vulnerabilidades já não são apenas financeiras ou econômicas, mas estratégicas: interrupções logísticas, sanções, export controls, rivalidades tecnológicas e disputas por talento transformam partes inteiras da cadeia em alvos de política externa.
O cenário se desenha da seguinte forma: a demanda por chips cresce com a expansão da inteligência artificial, da internet das coisas, dos veículos elétricos e das infraestruturas inteligentes; porém, o fornecimento se torna mais complexo, mais arriscado e mais politizado. O setor enfrenta custos elevados, pressão regulatória e a necessidade de diversificação geográfica, o que implica maior capex, maiores riscos e maior escrutínio geopolítico.
Nesse contexto, a Ásia-Pacífico deixa de ser apenas “onde se produz” e converte-se em “quem define”: quem dita padrões tecnológicos, quem garante a logística, quem protege as redes e quem assegura o ritmo da inovação. Economias periféricas que querem participar devem entender que o simples “fazer” não basta; é preciso “pertencer” a esse novo mapa de poder. Para o Brasil, a pergunta-chave passa a ser: como participar deste novo arranjo com vantagem competitiva? Isso envolve políticas industriais agressivas, atração de investimentos, parcerias estratégicas e integração em cadeias onde a geopolítica está no cerne. A opção de permanecer como mero exportador de matérias-primas pode resultar em menor parcela de valor capturado e maior vulnerabilidade.
A correção em curso na indústria de semicondutores da Ásia-Pacífico não é um episódio passageiro; ela sinaliza o início de uma era em que a vantagem competitiva dependerá menos de localização ou escala e mais de alinhamento estratégico, estabilidade institucional e capacidade de inovação contínua. Para quem está fora desse eixo imediato, a alternativa é clara: adaptar-se ou correr o risco de ser deixado para trás.
Na esfera militar e de segurança, o conflito entre Ucrânia e Rússia permanece como um núcleo persistente de instabilidade. Levantamentos recentes indicam ofensivas russas direcionadas à cidade de Pokrovsk, no leste da Ucrânia, onde tropas russas pressionam por três frentes, norte, leste e sul, em direção a um importante corredor logístico. Nos ataques desta semana, a Rússia lançou mais de 450 drones e 45 mísseis em múltiplas regiões ucranianas, como Dnipro, Kharkiv e Zaporizhzhia, tendo como alvos centrais infraestruturas de energia e água, o que agrava o risco humanitário e pressiona pela mobilização de geradores e contingências em várias cidades. Essa combinação de ofensiva convencional, bombardeios de infraestruturas e ataque de mísseis/drones evidencia uma virada estratégica: a linha entre guerra tradicional e “zona cinzenta” está cada vez mais borrada. O que se vê agora é uma “guerra por capilaridade”, em que ataques além da linha de frente, visando redes de suporte, energia, comunicações e moradia civil, se tornaram rotina.
Além disso, a economia mundial entra em novembro sob os ventos cruzados de geopolítica fragmentada e políticas domésticas divergentes. Um relatório de novembro aponta que, apesar de algumas revisões ligeiramente positivas, o crescimento global segue fraco e vulnerável a choques exteriores. Para zonas exportadoras ou dependentes de investimento externo, isso significa uma janela de risco mais ampla.
Outro eixo de alteração estrutural é o realinhamento da cadeia logística global: exportações, insumos e produção começam a ser redesenhados em função de “zonas confiáveis” e blocos estratégicos. A globalização de décadas dá lugar a regionalismos e “clusters de alinhamento”, com impacto direto para países como o Brasil, que devem ajustar posicionamento nessa nova arquitetura.
Enquanto isso, no front mais humano da geopolítica, surgem relatos de tensões crescentes em múltiplas frentes, ataques, rupturas diplomáticas, exportações bloqueadas, linhas de comunicação interrompidas. Essas ações moldam o humor internacional e afetam diretamente a vida das populações. A geopolítica deixa de ser cenário distante e passa a influência direta no cotidiano de muitos: por exemplo, em cadeias de suprimento ou no preço de energia.
Especificamente, no Brasil e na América Latina, a combinação de clima externo volátil, mudança de regimes e pressão sobre recursos naturais exige vigilância: os impactos não se limitam à economia, mas passam por governança ambiental e estratégica. O país, como exportador de commodities e ator diplomático emergente, precisa se posicionar num momento em que “quem define as regras” está mudando.
Na África, a disputa por recursos, influência externa e infraestrutura também ganha relevo. Enquanto a maioria dos olhos se volta para Ucrânia ou Ásia, regiões como a África Oriental ou Austral veem invasões de capital, concessões de território e acordos de segurança que muitas vezes escapam à visibilidade global, porém com impacto duradouro.
Em resumo, esta semana confirma que vivemos uma era de interdependência cada vez mais vulnerável. Os choques geopolíticos não são incidentes isolados, mas fragmentos de um novo padrão: onde a soberania, a resiliência e a competição pela definição de ordem importam mais do que nunca. Para leitores, o desafio não é mais “o que está acontecendo” mas “como se prepara para o mundo que vem”.


