Panorama Global

A mesa americana e o tabuleiro eurasiático

 

Nexus Geopolítico, 14/11/2025

 

No início de novembro de 2025, em Washington, mais precisamente na Casa Branca, Donald Trump recebeu em jantar oficial os chefes de Estado dos cinco países da Ásia Central. Estavam presentes Kassym Jomart Tokayev, presidente do Cazaquistão, Shavkat Mirziyoyev do Uzbequistão, Serdar Berdymukhamedov do Turcomenistão, Emomali Rahmon do Tadjiquistão e Sadyr Japarov do Quirguistão. O encontro ocorreu no Salão de Banquetes Presidenciais, espaço tradicional reservado para recepções diplomáticas de alto nível. Trump buscou apresentar os Estados Unidos como parceiro estratégico capaz de revitalizar laços com uma região que, desde o fim da URSS em 1991, tem aprofundado sua integração tanto com a Federação Russa quanto com a República Popular da China.

Nesse jantar, realizado entre os dias 3 e 4 de novembro, os americanos ofereceram promessas de investimentos em energia, tecnologia, exploração de terras raras e acordos de cooperação militar. Washington, consciente de sua perda de influência após a retirada do Afeganistão em 2021, tentou reabrir canais fechados lentamente pela ascensão militar russa e pelo avanço econômico chinês. A expectativa dos Estados Unidos era clara, criar fissuras na interdependência regional que liga os cinco países ao eixo Moscou–Pequim e estimular um realinhamento lento, ainda que discreto, para conter o fortalecimento da Eurásia integrada.

O contraste entre a encenação diplomática e a realidade geopolítica, porém, apareceu rapidamente. No dia 6 de novembro de 2025, apenas dois dias após o evento na Casa Branca, Tokayev desembarcou em Moscou para uma reunião bilateral com Vladimir Putin no Kremlin. Ali, na capital russa, foi anunciado o aprofundamento da “Parceria Estratégica Rússia–Cazaquistão”, com novos compromissos energéticos, logísticos e de segurança. Esse gesto, executado no coração do poder russo, reforçou a centralidade histórica de Moscou na política cazaque e mostrou que nenhuma aproximação com os Estados Unidos altera o peso real da Rússia em temas sensíveis como transporte de petróleo, proteção de fronteiras e estabilidade interna.

A China, por sua vez, projeta sua influência sobre a região a partir de cidades como Ürümqi e Alashankou, na região autônoma de Xinjiang, que funcionam como porta de saída das rotas ferroviárias que conectam a Ásia Central à Europa. Na fronteira cazaque, está localizado o porto seco de Khorgos, inaugurado em 2014 e ampliado entre 2016 e 2019, que se transformou em um dos mais importantes centros logísticos da Iniciativa Cinturão e Rota anunciada por Xi Jinping em Astana em setembro de 2013. Khorgos opera transferências de carga entre ferrovias de bitolas distintas, permitindo que trens chineses avancem pela Ásia Central rumo a Roterdã, Hamburgo, Varsóvia e Madri. Cada contêiner que cruza aquele pátio logístico reflete a profundidade da integração sino-cazaque, consolidada muito antes de qualquer gesto de sedução americana.

Os interesses estratégicos em disputa são múltiplos e atravessam dimensões econômicas, militares e tecnológicas. Os Estados Unidos almejam conter a expansão da China, restringir a influência russa e impedir que a Eurásia se transforme em bloco autônomo capaz de operar fora da arquitetura financeira e militar ocidental. Desejam também acessar reservas substanciais de urânio, petróleo, gás e minerais raros, além de inibir o estabelecimento de novas bases russas ou chinesas na região. A expectativa americana, ainda que modesta, é conquistar espaço político suficiente para influenciar votações em organismos multilaterais, retardar a consolidação de rotas terrestres sob controle chinês e enfraquecer mecanismos como a União Econômica Euroasiática e a Organização de Cooperação de Xangai.

Os países da Ásia Central, porém, respondem a outras prioridades. Cazaquistão, Uzbequistão e Turcomenistão dependem da China para investimentos em infraestrutura e vendas de energia. Tadjiquistão e Quirguistão dependem da Rússia para segurança militar e estabilidade interna, abrigando bases e centros de comando russos desde o início dos anos 2000. Todos buscam extrair benefícios das três potências sem assumir compromissos irreversíveis, estratégia conhecida como “política externa multivetorial”.

As consequências dessa configuração são nítidas. Para os Estados Unidos, o jantar em Washington oferece ganhos simbólicos e diplomáticos, mas não altera o desenho estrutural da região. Para a Rússia, o movimento de Tokayev em direção ao Kremlin demonstrou que sua influência permanece central, sobretudo no campo energético e militar. Para a China, o funcionamento cotidiano de Khorgos, com seus fluxos de carga atravessando a fronteira de Xinjiang rumo à Eurásia, confirma que a integração continental segue fortalecida. Já para os países centro-asiáticos, a aproximação com Washington não substitui os laços materiais — oleodutos, ferrovias, gasodutos, bases militares e cadeias logísticas — que os ligam a Rússia e China.

O jantar realizado na Casa Branca em novembro de 2025 produziu imagens exuberantes, mas não reverteu o rumo político da região. A fotografia de Trump cercado pelos líderes dos cinco stans iluminou um instante, porém quem define o movimento duradouro desse tabuleiro ainda são as ferrovias de Khorgos, as salas de decisão do Kremlin e os corredores de Xinjiang, onde a geopolítica real se impõe com mais força do que qualquer discurso proferido em Washington.

Panorama Global: 08/11/2025 - Choque, competição e reconfiguração: a nova face da geopolítica mundial